Canções tradicionais
As canções tradicionais de Montalvão, a par da poesia popular e de outras interessantes manifestações próprias da cultura popular montalvanense, formam um património cultural imaterial inestimável. Trata-se de uma riqueza coletiva, que, tal como o acervo patrimonial que possuÃmos, importa inventariar, recuperar e proteger, em primeiro lugar pelos próprios montalvanenses, através da sucessiva transmissão, oral e de preferência escrita ou gravada, em termos fotográficos, de imagem e som, das memórias vivas que ainda subsistam. E, subsequentemente, através do recurso ao que a legislação aplicável consagra, neste caso, através das entidades autárquicas locais, sem prejuÃzo da mobilização de outras instituições particulares vocacionadas e disponÃveis para este efeito, reunir e tratar toda essa informação, por enquanto algo dispersa, de uma maneira profissional, coerente e duradoura.
E tal mobilização é absolutamente necessária, na medida em que, infelizmente, a Lei de Bases do Património Cultural, não contempla o património cultural imaterial (PCI) em qualquer dos nÃveis de proteção estabelecidos (interesse nacional, público ou municipal), no sentido de poder beneficiar de uma proteção com a chancela de classificação, segundo qualquer um daqueles interesses, ao contrário do que felizmente aconteceu, por exemplo, com a Igreja Matriz e o Castelo de Montalvão, por se tratarem de bens imóveis, que, como é sabido, obtiveram as classificações, respetivamente, de "EdifÃcio de Interesse Municipal" e "Monumento de Interesse Público".
Contudo, a proteção legal, com validade jurÃdica, suscetÃvel de ser conferida ao PCI, decorre da respetiva inscrição no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, instituÃdo no âmbito daquela Lei de Bases - Decreto-Lei n.º 149/2015, de 4 de agosto, que criou o regime jurÃdico para a salvaguarda do PCI.
A inventariação do PCI é suscetÃvel de ser materializada através da base de dados com acesso público e gratuito, o "MatrizPCI", o qual consiste num ..."sistema de informação pioneiro a nÃvel internacional, que suporta e promove a realização do procedimento de protecção legal do património cultural imaterial, de forma integralmente desmaterializada, com recurso exclusivo à s tecnologias da informação"....
Posto isto e sem prejuÃzo de iniciativas mais substanciais que sejam levadas a cabo neste domÃnio, como é o caso, desejavelmente, da criação do "Cancioneiro de Montalvão", da "Coletânea de Poetas Populares de Montalvão" e outras dedicadas à s outras artes populares, segue-se um pequeno e modestÃssimo contributo nesse sentido, que não é mais do que a reprodução escrita, da recolha feita em janeiro 2016 das quadras outrora cantadas (v. a seguir a fotos) por atuais utentes (v. fotos infra) do Lar Joaquim Maria da Costa, da Santa Casa da Misericórdia de Montalvão, dado que, desta feita, não foi possÃvel reproduzir a gravação com as mesmas, efetuada em 19/02/2016, no referido Lar. Eis os seus nomes:
- Joana Tomásia (92 anos); Maria Francisca Miguéns (88 anos); Maria Gonçalves Mourato (85 anos); Maria Miguéns Domingos (83 anos); Mariana Marques (83 anos); Silvina Fidalgo (72 anos), todas de Montalvão, tendo-se juntado ao grupo Maria Isabel Pires (94 anos), de Salavessa.
(fotos: LuÃs Gonçalves Gomes; 11 abril 2016))
Quadras Soltas de Montalvão
(Quadras do cancioneiro de Montalvão; recolha feita em janeiro 2016)
1ª O dia em que eu me casei Três mudanças fez o dia Estava o céu enevoado Fazia sol e chovia. 2ª Ao longe meu amor ao longe Ao longe é que é o luar Ao longe que se vê Quem é firme no amar. 3ª Ó lua perdida lua Não digas à minha amada Que eu passei à tua rua Ao romper da madrugada. 4ª Ó laranja, tangerina, Desejo de ti um gomo A tua gente imagina Que eu com a vista te como. 5ª As rosas da tua cara Não são como as outras, não, As tuas colhem-se (a)os beijos E as outras colhe(m)-se à mão 6ª A tua boca é uma rosa Teus dentes são as folhinhas Teus braços cadeias d’ ouro Que prendem saudades minhas. 7ª Já lá vem abril e maio Já lá vão esses dois meses Já lá vai a liberdade Com quem falava, às vezes. 8ª Ó moscatel, moscatel Como tu não há igual És o vinho mais porreiro Dentro e fora de Portugal. 9ª Desfolhei um malmequer Para ver se me querias bem Tinhas ódio refinado Não dizias a ninguém. 10ª O teu cabelo faz ondas O teu cabelo é o mar Nas ondas do teu cabelo Aprendi a navegar. 11ª Ó bela rua da Costa Cercada de arquinhos brancos Aonde o meu amor passeia Domingos e dias santos. 12ª O craveiro da minha sogra Só três cravos é que deu Toda a gente tem inveja Do mais lindo ser o meu. 13ª Da minha janela à tua É um saltinho de cobra Quem me dera já chamar À tua mãe minha sogra. 14ª O sol de maio é quente É como a pimenta, queima O meu amor é teimoso Eu tenho a mesma teima. 15ª Esse amor não é o meu É o da nossa Maria O meu traz colete preto Uma fita que alumia. 16ª Hoje é sábado da Virgem Recolhem os lavradores Hei-de me por à janela Ver passar o meu amor. 17ª Por via do saramago Arranquei o pé ao trigo Eu morro d’uma paixão Por não acabar contigo. 18ª Quando eu tinha quinze anos Tinha mais desembaraço Namorava por acenos Coisa que agora não faço. 19ª Mandei fazer um relógio Da folhinha do poejo Para contar os minutos E as horas que te não vejo. 20ª Minha mãe é minha amiga Amiga de me compor Põe o lenço na cabeça Vai à missa linda flor. 21ª Dá-me uma pinguinha d’água Dessa que eu ouço a correr Entre silvas e mantrates Alguma pinga há-de haver. 22ª Meu amor quando abalou Desatou-me o avental Apertou-me a mão e disse Adeus, até ao Natal. 23ª Chapéu preto não se usa Quem o traz não é ninguém Que há-de meu amor fazer (A)O chapéu preto que tem 24ª Fui ao rio despedir-me D’uma pedra de lavar Só de ti não posso Despedir-me sem chorar. 25ª Nossa Senhora dos Remédios Tem uma pedra à janela Aonde vão os passarinhos A cantar na primavera. 26ª Tem uma pedra à janela E uma porta de loureiro Bem podia ser de ouro Que ela tem muito dinheiro. 27ª O encarnado debota O verde perdeu a cor Só eu é que não perco Amizade (a)o meu amor 28ª Para que me apertas as mãos Os dedos para que mos trocas Para que andas com isso amor Tu a mim já não me voltas. 29ª Meu amor não faças caso De quem te anda a iludir Se o nosso amor acaba Promessas se vão cumprir. 30ª Cantamos, deixamos disso Deitamos terra na lama Bem rico era o meu sogro Bem pobre me deu a dama. 31ª A minha porta faz lama A tua lama faz lamaceiro Quando falares em mim Olha para ti primeiro. 32ª Onde vais Maria dos Anjos Onde vais tu a chorar Vou ver do meu amor Que está na venda a jogar. 33ª Rosa branca não tem cor Rosa branca desmaiada Dizem as outras rosas todas Rosa branca não me é nada. 34ª Tenho dentro do meu peito Um relógio a trabalhar Trabalha com todo o jeito Sem ninguém corda lhe dar. 35ª A rosa depois de seca Foi-se a queixar ao jardim O jardineiro lhe disse Tudo no mundo tem um fim. 36ª Portalegre és tão alegre Tão triste és para mim Degradaste o meu amor Degrada-me agora a mim 37ª Amor alto e delgadinho Como a espiga do centeio Tem o namorar baixinho Não me agrada o teu paleio. 38ª Trocaste-me a mim por outra Como se troca um vintém É o mesmo, não me importa À trocas que dão por bem. 39ª Deixaste-me por eu ser pobre Outras faltas não as tinha Se querias outra mais rica Procuravas a Rainha. 40ª Ó minha mãe, minha mãe Ó minha mãe, minha amada Quem tem uma mãe tem tudo Quem não tem mãe, Não tem nada. 41ª Montalvão é boa terra Está no cimo de cabeço Já o quiseram comprar Mas Montalvão não tem preço. 42ª Montalvão é boa terra Montalvão é terra bela Muita gente de Lisboa Morre de amores por ela 43ª Minha terra é Montalvão Minha terra não a nego Sou do Concelho de Nisa Distrito de Portalegre. 44ª Se tu visses o que eu vi Fugias como eu fugi Uma cobra a tirar água Outra a regar o jardim. 45ª Chora a casada de lidas A viúva de não ter A solteira sempre diz Não acredito sem ver. 46ª Ó rua da Costa abaixo Rua da Costa acima Vou ver o meu amor Ao café da Tia Joaquina. 47ª Eu não sei que fiz ao sol Que não dá na minha rua Hei-de me vestir de preto Que de branco anda a lua. 48ª O anel que tu me deste Era de vidro e quebrou-se Amizade que tu me tinhas Era pouca e acabou-se. 49ª Abalei do Alentejo Olhei para trás, chorei Alentejo da minh’ alma Que tão longe vais ficando. 50ª O Alentejo não tem sombra Senão a que vem do céu Assenta-te aqui amor À sombra do meu chapéu. 51ª Passarinho abre as asas Abre as asas, toma o vento, Vai-me levar esta carta Onde tenho o pensamento 52ª Ó irmão da minha alma Tão espalhados nós andamos Fazemos por nos dar bem No céu nos ajuntaremos. 53ª Ó água que estás correndo Por baixo da sacristia Ó terra que estás comendo A quem tão bem eu queria. 54ª Os olhos do meu amor São os que nunca me esquecem Quanto mais olho para eles Mais bonitos me parecem. 55ª A laranja quando nasce Nasce toda redondinha Quando tu nascente Nascente para ser minha. |
56ª Amor com amor se paga Para que não pagas amor Olha que Deus não perdoa A quem é mau pagador. 57ª Cada vez que eu me encontro De cara a cara contigo Sobem-me as cores ao rosto Fico vazia do sentido. 58ª Oliveira da Serra vem O vento leva a flor Só a mim ninguém me leva Para o pé do meu amor. 59ª Ó Oliveira da Serra Disposta no arraial Dá-lhe o vento não se torça Assim faz quem é leal. 60ª Daqui para a minha terra Tudo é caminho e chão E tudo cravos e rosas Dispostas pela minha mão 61ª Azeitona é miudinha É como o milho miúdo Em se acabando a azeitona Lá vai amor, lá vai tudo. 62ª Trovisqueira, trovisqueira Donde tanto amargor vem Quem me chama trovisqueira Poucos bens ou nada tem 63ª O laranja, tangerina Caiu para o tanque da neve Mal haja o meu amor Que sabe ler e não escreve 64ª Amar-te não é só isso Tenho mais que me embarace Há muito que eu era tua Se eu sozinha mandasse 65ª As estrelas assim o dizem Dizem, que afirmo eu, Quem despreza o seu amor Despreza o que Deus lhe deu. 66ª Atirei com a pena ao ar Cavei no chão fiz um i Andes tu por onde andares Nunca me esqueço de ti. 67ª Se esta rua fosse minha Eu mandava-a ladrilhar Com o brilho dos meus olhos Só para o meu amor passar. 68ª Fui a Espanha, sou espanhola Fui a França, sou francesa Fui à ilha da Madeira Agora sou portuguesa. 69ª Sou cigana, sou cigana Sou cigana, não o nego Eu sou a maior cigana Que entrei na vila do Pego. 70ª O jardim da minha porta Que eu sou o teu jardineiro Eu quero ser sabedor Das rosas que abrem primeiro. 71ª Tenho dentro do meu peito Do lado do coração Duas letrinhas que dizem Amar e deixar-te, não. 72ª Dá-me uma pinguinha d’água Não me dês pela panela Dá-me pela tua boca Que eu não tenho nojo dela. 73ª Nós somos três irmãzinhas Todas fazemos jeitos Bebemos a nossa pinguinha Mas Isso não é defeito. 74ª Eu sou a mana mais velha Mas ando sempre doente Gosto muito de vinho Mas muito mais de aguardente. 75ª Eu sou a mana do meio Gosto muito da saúde Cada vez que eu bebo vinho É um garrafão de almude. 76ª Eu sou a mana mais nova De todas a mais borrachona Cada vez que bebo vinho Dou-te uma estampa na…. 77ª Soldadinho que vem de Elvas Não viste lá meu amor Lá o vi, lá estava ele Vinha de Penamacor. 78ª Eu tenho no meu quintal Um vaso com doze flores Três Marias, três Isabelas, Três Anas, e três Leonores 79ª Jurei e pus a mão Em cima de oitenta livros De não amar outros olhos Enquanto os teus forem vivos. 80ª Viva a malta, viva a malta Viva a malta, treme o chão Não há mais malta mais porreira Que a malta de Montalvão. 81ª Quem diz que uma saudade Que não chega ao coração Ter amor e verá Se chega ou não. 82ª Debaixo da oliveira Meu amor é que é amar Tem a folha miudinha Não entra lá o luar 83ª Na folha do eucalipto É que eu aprendi a ler Hei-de levar-te de casa Sem a tua mãe saber. 84ª O sentido variado Mesmo agora variou Quem me dera ir Onde ele agora chegou. 85ª Esta moda bem cantada Cantada como ela é Até faz cantar os velhos Ao canto da chaminé 86ª Eu fui a que acendi Lume numa chaminé dourada Eu fui a que tive amores Reparti e fiquei sem nada 87ª Pus-me a cantar à s avessas Na pedra duma coluna Contei sete, seis e quatro E três e duas e uma. 88ª Atirei com o lÃrio, lÃrio Atirei com o lÃrio ao chão Atirei com o meu sentido Às moças de Montalvão. 89ª A roseira da estação Deita rosas para a linha O meu coração não fala Mas adivinha. 90ª Uma rosa, duas rosas Criadas no mesmo pé Uma mãe cria uma filha Sem saber para quem é 91ª O alecrim da ribeira Quando reverdece arrebenta Diz que eu não sou firme Fala para mim, experimenta 92ª Eu hei-de amar um vale verde, Enquanto tiver verdura Hei-de amar quem eu quiser Contigo não fiz escritura. 93ª Quatro pares a dançar Todos no mesmo ladrilho É o cravo é a rosa Açucena e o junquilho 94ª Vale mais ser do que ter Cá na minha opinião O ter é para toda a vida E o ter ou será ou não 95ª Ó água que vem da serra Quando vem à cidade Eu não sou rica mas tenho Amores à minha vontade 96ª Não sou pó, nem sou poeira Nem sou terra, nem sou nada Sou um ramo de tristeza Que vive abandonada. 97ª Eu quero bem à desgraça Que sempre me acompanhou Tenho ido sempre a aventura Do que no melhor me faltou. 98ª Não te quero bem, nem mal Tenho o coração em brasa Não morro por te não ver Nem desgosto de ser escrava 99ª Já vi duas estrelas Que no céu se prenderam Entraram pela tua casa Que do céu se desprenderam. 100ª Quero cantar, ser alegre Que a tristeza nada tem Eu nunca vi a tristeza Dar de comer a ninguém. 101ª Chamaste triste, triste Ainda cá não há tristeza Ainda não há quem tenha A minha liberdade presa. 102ª Amores ao longe, ao longe Ao longe é que é amar Ao longe é que se vê Quem é firme no amar. 103ª Assenta-te aqui amor Tu numa pedra e eu noutra Aqui choramos os dois A nossa ventura é pouca 104ª Delicado é o peixe Que faz a cama no lodo Delicados são teus olhos Que me prenderam de todo 105ª Eu tenho à minha janela O que tu tens não tens à tua Um vaso de violetas Deita cheiro a tua rua 106ª Rapazes de Montalvão Quando para fora vão Toda a gente lhes procura Lindos moços donde são 107ª A folha da parra seca Anda no mar a nadar Eu dantes queria-te muito Agora quero-te a dobrar 108ª Ó Alta faia sombria Mesmo à entrada da Póvoa Já não tenho quem me dê Do meu amor uma nova 109ª Sou pobre não tenho nada Moro no meio da rua Se eu fora rica, morgada Há muito que eu era tua. 110ª Castelo de Vide é de seda, A Póvoa é de veludo, Com respeito à mocidade Montalvão combate tudo. |
*Nota:
1. Recolhidas pelas utentes do Lar Joaquim Maria da Costa, da SCMMontalvão): Joana Tomásia (92 anos); Maria Francisca Miguéns (88 anos); Maria Gonçalves Mourato (85 anos); Maria Miguéns Domingos (83 anos); Mariana Marques (83 anos); Silvina Fidalgo (72 anos) – recolha feita em 19 fevereiro 2016, no Lar Joaquim Maria da Costa, da SCMM.
2. O Grupo Coral EmCanto, inclui no seu repertório uma seleção das quadras supra, organizadas e musicadas por LuÃs Gonçalves Gomes, a que deu o nome de "Canção de Amor", estreada no Concerto Amizade com Amizade se Paga, na Casa do Povo de Montalvão, em 23 abril 2016, no qual se prestou tributo a António José Belo, intimamente associado à cultura popular de Montalvão (v. cartaz neste site). O referido grupo de utentes tiveram uma pequena atuação no mesmo concerto, a convite do EmCanto, interpretando "Nesta rua tem um bosque" e justamente a "Canção de Amor", conforme registos na página de facebook do Grupo Coral.
Em data posterior, o mesmo Grupo Coral incluiu uma nova canção "Quadras Soltas", formada por um outro conjunto de versos oriundos da mesma compilação e identicamente organizadas e musicadas por LuÃs Gonçalves Gomes.
LuÃs Gonçalves Gomes
23 abril 2016